"[...] Os domingos de Cuba, nesses dias de sol, são normais: dias de preguiça, jogo e missa. Mas nem sempre foram assim. Porque nos tempos de antes - e quando um cubano fala de 'antes' está falando quase que invariavelmente de antes da Revolução -, Encarnación, que é negra, não teria entrado na igreja de San Juan, no elegante bairro de Miramar, em Havana, onde acabou de entrar agora. Missa havia, é claro, e os patrões de Encarnación, devotíssimos, jamais proibiram a empregada de purgar seus pecados. Só que, naquela igreja, não. Ali só entravam brancos, por decisão do próprio padre, cujo nome se perdeu nos confins da memória dos poucos fiéis deste domingo.
Encarnación cuida agora de outra casa, sua própria casa, muito mais modesta, nos limites do bairro que um dia foi um dos mais exclusivos da Ilha e de todo o Caribe. O marido é motorista em um ministério e não vai à missa. Preferiu o jogo de pelota. Reclama do jogo, e aproveita pra reclamar também das filas. [...]"
Eric Nepomuceno
CUBA: Novas anotações sobre uma Revolução, 1986
Anotação I
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